O
projeto “Origem” une bailarinos do Brasil, Venezuela, Haiti e Síria no palco do
Teatro José Maria Santos para um espetáculo que traz os movimentos migratórios,
mergulhando na força e vulnerabilidade de se criar em um novo território. Com
entrada gratuita, as apresentações começaram nesta terça-feira (31), até 5 de
novembro, e ocorrem também de 7 a 12 de novembro.
O
espetáculo de dança inédito aborda o conceito de “mundialidade”, de Edouard
Glissant, que investigou o que há de poético nos êxodos humanos. A partir daí
nasce a montagem, apoiada no conceito de fazer junto, buscando na pedagogia de
fronteira o estético e o ético presentes na necessidade de aprender, criar e
inventar um conceito de humanidade por vir.
“Ao longo de todo o projeto tivemos uma
grande preocupação de conhecer esses artistas e trabalhar a partir do
conhecimento de dança, de trabalho corporal e desejos artísticos que eles
traziam. É muito interessante criar a partir das diferenças, pois são pessoas
de diferentes origens, com pensamentos, cultura e a própria relação com o corpo
bem distintas”, conta a diretora e coreógrafa Patrícia Machado.
Ela
também explica que a partir de estudos biográficos e ficcionais, parte do
espetáculo foi criado pelo próprio elenco. “Como
diretora, fui tateando o que havia em comum a estas pessoas. O projeto Origem
não pretende espetacularizar essas narrativas, mas aposta numa cena como lugar
de acontecimento, que aborda a mistura”, detalha.
RETORNANDO À DANÇA - Para Francisco Rodriguez, imigrante
venezuelano que vive em Curitiba há quatro anos, conhecer o projeto foi
importante, pois pode retomar junto com sua esposa o contato com a arte e com a
dança.
“Na Venezuela fazia dança tradicional e
folclórica, além de estudar teatro e dramaturgia, e muito dessa vontade de
estar ligado às danças folclóricas, é por eu ter uma herança afro-indígena. E
desde a imigração eu acabei me afastando das artes, pois como todo imigrante
temos que correr atrás de trabalho para sobreviver, e ter a chance de poder
trazer toda a minha família para o Brasil”, destaca.
Cassandre
Pierre, vinda do Haiti, ficou sabendo das audições através de um grupo de
WhatsApp e viu como uma oportunidade de ter contato com a dança novamente. “Desde a minha infância, sempre gostei da
arte e da música. São ferramentas de expressão corporal e emocional que me
ajudam a estabelecer o equilíbrio em meus pensamentos e sentimentos. Estar no
espetáculo e poder mostrar a minha relação com a dança de uma maneira autêntica
é muito bom”, disse Cassandre.
COMO NASCEU - Origem é um projeto da coreógrafa
Patrícia Machado, que há bastante tempo vem estudando práticas artísticas junto
a pessoas em situação de deslocamento forçado, como migrantes, refugiados e
apátridas devido a guerras civis, catástrofes naturais, conflitos religiosos,
entre outros. O start surgiu em 2017, quando ela guiou uma residência artística
com bailarinos do Teatro Guaíra, onde propôs um trabalho em parceria com o Trio
Alma Síria, composto por artistas refugiados vindos de Alepo.
A
vontade surgiu após ter passado alguns anos trabalhando com dança em outros
países, e sentindo na pele o que é ser uma migrante. “Com 17 anos ganhei uma bolsa de estudo em uma companhia de dança em
Portugal e durante sete anos morei em diferentes países, passando a trabalhar
em companhias oficiais de dança. Ser imigrante durante esse período e me
perceber como pessoa ilegal em parte dele, me trouxe incômodos e
questionamentos sobre os corpos em trânsito e em situação de deslocamento
forçado. Criar estratégias artísticas pedagógicas em diálogo com políticas de
existência neste contexto de não pertencimento se tornou um impulso aos meus
trabalhos”, explica a coreógrafa.
O
espetáculo surgiu do desconforto de ser e viver como imigrante, chegar em um
novo país e não falar a língua e muitas vezes não ter nenhum acesso à políticas
de acolhimento. Já de volta para o Brasil, Patrícia passou a trabalhar
voluntariamente em Curitiba com grupos que recebiam imigrantes, e percebeu que
quando trabalhava com práticas artísticas e performativas, existia ali uma
política de pertencimento, que funcionava muito mais do que qualquer outra
política.
“O público pode esperar um espetáculo feito
por gente. No palco, uma ruptura e questionamento do que seja uma identidade
raiz, que congela e violenta o diverso, mas um lugar de acontecimento desses
trânsitos culturais, afetivos, sociais, sensoriais nessa simples e complexa
ação de juntar e desjuntar histórias e narrativas de pessoas tão distintas e ao
mesmo tempo parecidas”, conclui.
O
projeto é realizado com recursos do programa de apoio e incentivo à cultura -
Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura da Curitiba.
Livres para todas as
idades, as apresentações de “Origem” acontecem até dia 12; de terça a sábado,
às 20h; domingo, às 19h, no Teatro José Maria Santos (Rua Treze de Maio, 655,
f: 3322-7150). A entrada é gratuita e não será necessária a emissão de
ingressos. A portaria abre 1h antes de cada espetáculo. Informações: projetoorigem@gmail.com
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