A
cantora portuguesa mais conhecida hoje no Brasil interpreta 14 músicas do maior
compositor popular brasileiro. Traduzido assim, o CD "Carminho Canta Tom
Jobim" parece infalível. Do ponto de vista comercial, vai bem: já está no
topo das listas de mais vendidos em Portugal e chegou no calor das compras de
Natal, às lojas brasileiras e às plataformas digitais.
No
aspecto artístico, é um trabalho cercado de cuidados. Carminho tem a segurança
de ser acompanhada pela Banda Nova - na verdade, o quarteto que assumiu o nome
do conjunto que tocou com Tom Jobim (1927-1994). Paulo Jobim (violão e
arranjos), Jaques Morelenbaum (violoncelo) e Paulo Braga (bateria) eram da
banda, e Daniel Jobim ocupa ao piano o posto do avô. "Eu não seria capaz
de fazer sem eles", afirma a cantora, por telefone, de Lisboa, onde nasceu
há 32 anos como Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade. "Eles sabem
os caminhos, são os maiores músicos desse repertório. Eu me senti livre por ter
o apoio deles. Não me arriscaria, como estrangeira, se fosse diferente".
O
projeto não nasceu de Carminho. Ana Jobim, viúva de Tom, e Kati Almeida Braga,
da gravadora Biscoito Fino, deram a sugestão após ouvi-la cantar músicas do
compositor numa festa. E Paulo Jobim, filho do maestro, já tinha recebido o
conselho de realizar um trabalho com a cantora. Após os dois se acertarem, ela
recebeu dele uma planilha com quase 300 músicas. Era a arca de onde deveria
pinçar 14.
"Em
primeiro lugar, procurei canções que ficassem bem no sotaque português",
conta. Como na música portuguesa é incomum o uso do "você", Carminho
pediu a Chico Buarque autorização para trocar o pronome por "tu" num
verso de "Retrato em Branco e Preto"; e, por causa do
"você", resolveu cantar "Por Causa de Você" em inglês:
"Don't Ever Go Away", na versão de Ray Gilbert para a letra de
Dolores Duran. Ela diz ter buscado uma variedade de letristas: Chico, Dolores,
Vinicius de Moraes, o próprio Tom. Ouviu sugestões de Chico, de quem já
interpretou várias composições. Um dos duetos do CD é com ele, em "Falando
de Amor". Ela canta "Modinha" com Maria Bethânia e "Estrada
do Sol" com Marisa Monte. Na abertura de "Sabiá", Fernanda
Montenegro recita versos da "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias.
"Escutei
pessoas que conhecem bem a obra", diz Carminho. "Estudei para não
cair na superficialidade. O perigo de quem não sabe nada é achar que sabe tudo".
Quando criança, ouvia canções de Tom nas trilhas das telenovelas da Rede Globo,
casos de "Wave" e "Luiza", que estão no disco - "Luiza"
está com a letra atribuída no encarte a Vinicius, embora seja de Tom. O erro
será corrigido na próxima impressão.
Há
outros standards: "O que Tinha de Ser", "Inútil Paisagem",
"Triste", "Meditação" e "A Felicidade". Cinco
músicas estão no histórico álbum "Elis & Tom", com registros
marcantes de Elis Regina. "São interpretações muito fortes, mas não devem
ser comparadas. Não quero chegar aos mesmos lugares. Tenho de lembrar quem eu
sou. Fiz com coragem, com atrevimento", afirma.
Para
ela, cantar em português de Portugal já assegura um resultado bastante
diferente. E sua formação vem do fado, filha que é da fadista Teresa Siqueira.
"Na música brasileira, há muito tom maior, há samba, mas também há
melancolia e profundidade de sentimento, assim como no fado", aproxima.
Carminho é um dos expoentes da geração que vem repopularizando o fado em todo o
mundo, inclusive no Brasil. Ela apresentará o repertório de Tom Jobim no Brasil
em março de 2017 e em outros países depois. O compositor completaria 90 anos em
25 de janeiro.
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