quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Linha Preta: um passeio pela história da população negra de Curitiba

Uma opção para quem quiser conhecer mais sobre a presença negra e sua participação na formação de Curitiba é percorrer a Linha Preta, roteiro com os principais pontos históricos da população negra em Curitiba. O trajeto fica no Centro da cidade e pode ser feito todo a pé.
O projeto da Linha Preta foi concebido durante o II Congresso de Pesquisadores/as Negros/as da Região Sul- COPENE SUL, organizado pelo NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Paraná.
O trajeto inicial da Linha Preta reúne 11 pontos, entre eles as Ruínas de São Francisco, a Igreja do Rosário, o Memorial de Curitiba, a Praça Tiradentes e a Sociedade 13 de maio. O roteiro ficará em constante aperfeiçoamento e seu traçado deve abarcar, em breve, o interior de museus, galerias de arte, prédios históricos, teatros, etc.

01 – RUÍNAS DE SÃO FRANCISCO
As Ruínas de São Francisco são, na verdade, uma construção inacabada. Há relatos de que se trata da construção de uma igreja em homenagem a São Francisco de Paula iniciada por um grupo de devotos portugueses no início do século. É inegável a participação de trabalhadores negros na construção desse edifício que exigia mão de obra especializada como a de mestres-pedreiros, por exemplo, que dominavam técnicas variadas de construção, principalmente a alvenaria de pedra. Muitos desses mestres-pedreiros eram negros de ofício, ou seja, oficiais preparados em oficinas especializadas para o exercício de profissões bem conhecidas como pedreiros e ferreiros (José Luiz Mota MENEZES, 2010, p. 115)

02 – IGREJA DO ROSÁRIO
A Igreja do Rosário, em Curitiba, inicialmente chamada de Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito, foi patrocinada, projetada e construída por pessoas negras, em 1737 organizadas em irmandades. Construída em estilo colonial, era maior e mais imponente que a igreja matriz, bem mais simples, construída em madeira onde os/as negros/as não podiam entrar. Provavelmente foi a segunda igreja construída na capital paranaense, pois entre 1875 e 1893 serviu de igreja matriz enquanto a nova catedral era construída. Em 1931 a antiga igreja foi demolida, dando lugar a igreja atual inaugurada em 1946 já sob a responsabilidade da igreja católica.

03 – ARQUITETURA DO LARGO DA ORDEM
Em relação à arquitetura, a contribuição mais conhecida dos povos africanos no Brasil está associada à introdução de técnicas de construção que usavam o adobe e a taipa de mão presentes tanto nas áreas rurais quanto urbanas. Associada à pedra essa tecnologia possibilitou a construção de prédios públicos de grandes proporções em várias partes do país, principalmente igrejas católicas, muitas delas no estado de Minas Gerais.

04 – MEMORIAL DE CURITIBA
Inaugurado em 1996 o Memorial de Curitiba tem um projeto arquitetônico inspirado no pinheiro paranaense. É um importante centro cultural da cidade e abriga várias obras de artes, dentre elas um imenso painel do artista Sérgio Ferro que mostra alguns elementos constitutivos da cultura brasileira. Infelizmente a população negra é retratada de forma estereotipada, reforçando, por exemplo, discursos que operam para a disseminação de ideias sobre as supostas subalternidade e subserviência desse grupo racial, bem como para a hipersexualização do corpo da mulher negra.

05 – BEBEDOURO
A construção do bebedouro data de meados do século XVIII e era bastante utilizado por tropeiros em passagem pela cidade para dar de beber a seus animais. A presença de um número significativo de tropeiros negros é atestada por algumas aquarelas de Jean-Baptiste Debret que os retratou em Curitiba e região.

06 – PRAÇA TIRADENTES
A Praça Tiradentes passou por um processo de ressignificação nos últimos anos pela comunidade negra de Curitiba, especialmente por pessoas ligadas aos movimentos sociais de negras e negros e por praticantes da Umbanda e do Candomblé. Há na Praça Tiradentes um conjunto de Gameleiras Sagradas. A gameleira é moradia de Iroco, um raro orixá de origem Iorubá. Iroco também é moradia de espíritos infantis e está associado a longevidade, já que a gameleira vive por mais de 200 anos. Na praça ainda existe outro símbolo importante para a comunidade negra, um caminho feito de pedras que revela a importância da mão de obra negra para o processo de urbanização da capital paranaense.

07 – ARCADAS DO PELOURINHO
O Pelourinho da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, Localizado na Praça José Borges de Macedo, ao lado do Paço da Liberdade, foi levantado em 04 de novembro de 1668. O pelourinho marcava a fundação de uma vila e também um espaço onde pessoas escravizadas, que por razões diversas, como desafiar o regime escravista, por exemplo, eram castigadas. Embora o pelourinho traga consigo lembranças de um período marcado por muita violência que incidia sobre a população negra, ele também representa as inúmeras formas de resistência desenvolvidas por negras e negros para fazer frente ao regime escravista.

08 – ÁGUA PRO MORRO
Água Pro Morro (1944), localizada na Praça Generoso Marques, é uma criação do artista curitibano ErboStenzel e foi apresentada como trabalho final de curso de escultura na Academia Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. A obra, originalmente em gesso, retrata Anita, namorada e modelo do artista à época. A escultura mostra uma bela jovem negra com uma lata d’água sobre a cabeça, sugerindo o movimento de quem caminha em direção a um plano mais elevado. De grande sensualidade, a obra dá a impressão de que o vestido usado pela modelo está molhado, por isso cola ao corpo e desenha os seios, mas não os expõem. A cena coloca em discussão algumas questões, como por exemplo, o reconhecimento da beleza da mulher negra e o seu lugar em nossa sociedade, bem como e as políticas públicas que negavam a negras e negros o direito à cidadania. Em 1995 a obra foi fundida em bronze pela prefeitura municipal de Curitiba e colocada na praça Generoso Marques. Desconsiderando as intenções do artista ao criar a escultura, o prefeito à época Rafael Grecca, de forma bastante depreciativa a rebatizou de Maria Lata D’Água.

08 – PRAÇA ZACARIAS – CHAFARIZ
Essa praça faz uma homenagem ao primeiro presidente da província do Paraná: Zacarias Góes e Vasconcelos (1815 -1877), nomeado em 1853. Foi ele quem criou a infraestrutura necessária para o desenvolvimento da recém fundada província que até então pertencia a província de São Paulo. A praça ainda preserva outro elemento importante que marca a presença negra no Paraná, um antigo chafariz que faz alusão ao primeiro sistema de água encanada de Curitiba. Esse sistema foi projetado pelo engenheiro Antonio Rebouças em 1871 e possibilitava que as pessoas tivessem acesso a água potável e também abastecia os aguateiros profissionais que vendiam água de casa em casa.

09 – PRAÇA SANTOS ANDRADE
Na Praça Santos Andrade há um pequeno monumento em homenagem a “Colônia Afro-Brasileira”. Iniciativa da Câmara dos Vereadores, a modesta homenagem é composta por um bloco de granito e uma placa de bronze. Não respondendo a importância desta comunidade para a cidade de Curitiba.

10 – PRAÇA 19 DE DEZEMBRO
O conjunto arquitetônico da Praça 19 de Dezembro, assinado pelo escultor ErboStenzel, é composto por um painel de duas faces, um espelho d’água, um obelisco e a escultura de um homem nu com 18 metros de altura. No painel de duas fases a ideia do artista foi contar um pouco da história do Paraná e seus ciclos econômicos. Já o Homem Nu representa o Paraná dando um passo em direção ao futuro. Com traços negros bem destacados a escultura apresenta ainda forte semelhança com a arte do antigo Egito, com características que permitem dialogar com a Lei da Frontalidade. A Lei da Frontalidade se caracteriza por ser bastante simétrica, em que uma linha imaginária divide a obra em duas partes iguais, estando a figura em pé, sentada ou de joelhos. Os braços estão sempre colados ao corpo, estendidos ou cruzados sobre o tronco. Mesmo em esculturas que retratam pessoas em pé o movimento é contido, ainda que simule uma caminhada.

11 – SOCIEDADE BENEFICENTE TREZE DE MAIO

Conscientes de que precisavam se organizar para defender seus direitos e sua identidade, sua cultura e sua memória, a população negra criou associações e clubes sociais em várias regiões do país, ainda no regime escravista. O Clube Beneficente Treze de Maio foi fundado em de julho de 1888 e ficava numa região conhecida como Boulevard São Francisco, onde vivia um grande número de pessoas negras. O clube ajudava os mais necessitados, comprava material escolar para as pessoas pobres e providenciava enterros dignos a quem não tinha condições. Reinaugurado em 1995 atualmente é conhecido como Sociedade 13 de Maio (Rua Des. Clotário Portugal, 274), importante espaço de preservação da memória e de demarcação da presença sempre ativa da população negra em Curitiba. 

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