Até que ponto é possível sonhar a mudança? Será
que estamos condenados a repetir indefinidamente os mesmos ritos
incompreensíveis, a viver uma sucessão interminável de casamentos e funerais
que, vistos sem ilusões, não significam nada? Por que continuar? Para que
continuar? Essas são questões que a peça “Krum” traz para o palco da Caixa
Cultural neste final de semana. Escrita pelo dramaturgo israelense Hanoch Levin
(1943-1999), foi encenada pela primeira vez no Brasil pela Companhia Brasileira
de Teatro, de Curitiba.
“Krum” é uma peça com dois enterros e dois
casamentos. Não existem grandes feitos, tudo é ordinário. Entre as duas
cerimônias, acontece uma sequência de cenas curtas, o quadro da vida dos
habitantes de um bairro remoto. “É uma peça sobre pessoas. O que está em jogo é
a matéria humana. Habitam o mundo de “Krum” seres pequenos, sem pudor na
palavra, vivendo sob um teto baixo. Há um olhar, ao mesmo tempo, cruel e
generoso sobre vidas mínimas ou, como em Tchekhov, sobre o que existe de mínimo
no ser humano”, sublinha o diretor Marcio Abreu.
A história tem início com o retorno ao lar do
personagem-título, que, depois de perambular pela Europa em busca de experiências
e quiçá de aprendizado, volta para casa – na periferia de uma cidade – de mãos
vazias. Ao chegar, Krum confessa que não viu nada, não viveu nada, que nem
mesmo no estrangeiro foi capaz de encontrar o que buscava.
Ao recusar a possibilidade de qualquer
transformação existencial e de qualquer escapatória de um mundo onde o céu
parece sempre tão baixo, o ar tão pesado e as estruturas sociais tão
opressoras, Krum questiona a existência e a partir de tais questionamentos.
Nesse contexto acontece o reencontro do recém-chegado com os curiosos
habitantes de seu mundo: sua mãe, seus amigos, a antiga namorada e os vizinhos.
Breves episódios de suas vidas desenrolam-se diante dos espectadores, que são
instados a se identificar com a perspectiva distanciada e irônica de Krum. “O
fim está no começo e, no entanto, continua-se”, as palavras de Beckett
descrevem com perfeição o princípio estrutural de “Krum”.
A CBT e Renata Sorrah - A estreia do autor
israelense no Brasil é o segundo projeto produzido a partir da bem-sucedida
parceria entre a atriz Renata Sorrahe a Companhia Brasileira de Teatro. A
primeira foi “Esta Criança”, do autor francês Joël Pommerat, sucesso de público
e crítica que estreou no Rio de Janeiro, no fim de 2012 e, ainda hoje, viaja
pelas principais cidades do país. Em mais de 40 anos de carreira, com
impactantes atuações em espetáculos, no cinema e na televisão, Renata Sorrah é
um dos grandes nomes do teatro brasileiro. Ao lado dela, neste projeto, está a
premiada companhia brasileira de teatro, fundada há 17 anos, em Curitiba, pelo
ator, dramaturgo e diretor Marcio Abreu.
A companhia é considerada pela crítica
especializada como uma das mais consistentes do país, responsável por montagens
marcantes para a história recente da dramaturgia e da encenação teatral
brasileira. Curiosamente, Renata e a CBT têm em comum, entre outras
investigações artísticas, a descoberta de dramaturgos contemporâneos, inéditos
no Brasil, como o siberiano Ivan Viripaev (“Oxigênio’) e Jean-Luc Lagarce (“Apenas
o Fim do Mundo”), espetáculos dirigidos por Abreu; o alemão Botho Strauss (“Grande
e Pequeno”, 1985) e o norueguês Jon Fosse (“Um Dia, no Verão”, 2007), trazidos
em espetáculos produzidos por Renata Sorrah que, por sua vez, também atuou nas
montagens do alemão Rainer Werner Fassbinder (“Afinal...Uma Mulher de Negócios”,
1977, e “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, 1982).
KRUM - Para essa montagem, “Krum” foi traduzido
diretamente do hebraico para o português. Com humor ácido e lirismo pungente, fala
sobre o fracasso e a precariedade de vidas mínimas voltadas para os pequenos
desejos, sempre forçados pela sociedade de consumo. O texto foi escrito em 1975
por Levin, que era, à época, um jovem autor influenciado por Tchekhov e Beckett
– em um país mergulhado em conflitos e contradições. Durante seu período de
vida, de 1943 a 1999, o autor testemunhou sete guerras. Essas vivências
deixaram marcas evidentes em seus trabalhos. “Há em Tchekhov do entretempo,
Beckett do pós-guerra, Levin do final do séc. XX e nós, hoje, algo em comum.
Enquanto o mundo turbulento destila suas violências, as pessoas tentam seguir
suas vidas, muitas vezes, sem brilho, confinadas em suas casas ou alimentando
expectativas, sonhos de consumo, esperança de dias melhores”, analisa Marcio
Abreu.
Ao reler, em chave política, a dialética entre
a vulgaridade e o lirismo, esta aparece como um debate entre o conformismo e a
necessidade de mudança. Sublinhar o lirismo é, em larga medida, afirmar o
inconformismo, o poder utópico do teatro de não apenas quebrar a quarta parede
de que falava Brecht, mas de quebrar também as outras três paredes que o
separam da vida social. Assim, o fato de a companhia brasileira de teatro ter
decidido montar a peça de um autor israelense como Hanoch Levin em um momento
histórico como o nosso, de acirramento do conflito Israel-Palestina e da
explosão dos mais diversos fanatismos é, por si, só significativo. Se, como diz
o próprio Krum, a certa altura da peça, “para algumas pessoas a palavra
impossível não é uma brincadeira”, para outras, como os artistas envolvidos
nessa produção, o mais importante é ser realista, é demandar o impossível.
A trajetória de “Krum” - A montagem estreou em
março de 2015, no Rio de Janeiro e, além de Curitiba, já circulou por Belo
Horizonte, São Paulo, São José do Rio Preto, Salvador e Porto Alegre. A direção
é de Marcio Abreu. Além da atriz Renata Sorrah, atuam em “Krum” outros nomes de
destaque na cena teatral contemporânea: Grace Passô, Inez Vianna, Cris Larin,
Danilo Grangheia e Rodrigo Andreolli (stand by). Compõem o elenco ainda
integrantes e colaboradores da companhia brasileira de teatro: Edson Rocha,
Ranieri Gonzalez, Rodrigo Bolzan e Rodrigo Ferrarini.
A equipe de criação conta com Giovana Soar
(tradução), Nadja Naira (iluminação e assistência de direção), Fernando Marés
(cenografia) e Felipe Storino (trilha e efeitos sonoros). De lá para cá, a
montagem recebeu diversos prêmios – Prêmio APTR (Associação dos Produtores de
Teatro): Melhor Espetáculo Teatral de 2015, Melhor Iluminação (Nadja Naira);
Prêmio Cesgranrio de Teatro: Melhor Espetáculo Teatral de 2015; Prêmio Questão
de Crítica: Melhor Iluminação (Nadja Naira) e Melhor Elenco; Prêmio SHELL:
Melhor Ator (Danilo Grangheia) e Melhor Cenário (Fernando Marés). As últimas
apresentações na capital paranaense, em maio de 2017, foram um grande sucesso,
com teatro lotado todos os dias e sessões extras.
Outras informações sobre a Companhia Brasileira
de Teatro: http://www.companhiabrasileira.art.br/
Indicadas para maiores de 16 anos, as
encenações de “Krum” acontecem sexta, sábado e domingo, às 19h. Os ingressos
custam R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia, conforme legislação e correntistas que pagarem
com cartão de débito Caixa). A compra pode ser feita com o cartão vale-cultura.
Mais informações: 2118-5111.
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