A literatura do escritor e músico curitibano
Carlos Machado é testemunha da mudança dos tempos e das pessoas. Seus
personagens flutuam pelos espaços das cidades, desenhando pelas muitas ruas e
esquinas uma trajetória a esmo, enquanto estão conscientes de que são sujeitos
ausentes ou perdidos. “Era o Vento” (140 páginas, Editora Patuá), que será
lançado nesta sexta-feira (25), às 14h30, no Café Tiramisù, reúne contos escritos
durante o trânsito do autor entre o Brasil e a Suíça, refletindo os caminhos
que unem e apartam os seres humanos.
Para além do olhar sobre Curitiba, que é a
figura central em muitos dos seus trabalhos anteriores, Machado constrói
histórias que sustentam sobre temas como a inquietude frente ao outro, a
(i)migração, a mobilidade e a imobilidade, as ditaduras, as guerras e o desejo
de controle. “São temas que parecem distantes, mas que na verdade estão muito
presentes”, explica o escritor, “e, por mais que eu achasse que tinha mudado o
fio fundamental da minha obra – o desejo da solidão e o medo de ser solitário
–, ele volta e se torna central outra vez, porém, transformado na busca por
alguma coisa que nem sempre se sabe o que é”.
As narrativas se desenrolam em suas
multiplicidades e variações, puxadas pelo anseio do autor em de viajar com o
leitor para cada canto descrito nos contos. O olhar de Carlos Machado não se
prende ao óbvio, ressignifica o cotidiano ao ler o mundo e interpretá-lo de uma
maneira singela e muito pessoal.
SANGUE LATINO - Em “Era o Vento”, Machado volta
a explorar aquele que foi o ponto de fuga em “Balada de uma Retina Sul-Americana”
(2004): a relação do brasileiro com a sua própria latinidade. Com sutileza e
densidade, o conto “Latinoamérica” traça um olhar certeiro sobre a
impossibilidade e resistência da construção de uma identidade em um continente
como a América do Sul.
“Em Nome do Pai, Amém” é um relato sensível, e
às raias do expressionismo, que se desenvolve por meio das vidas de duas
pessoas separadas pela guerra. Nos lugares ocupados pelas cidades existe
somente um deserto e o vazio deixado pelo silêncio. “É o contraponto da minha
multidão”, comenta Carlos sobre uma das suas obsessões literárias: a
invisibilidade urbana.
“A Mesma Moeda” é comovente ao tratar da
imigração através das tradições familiares, tema que percorre também “Janela” e
“A Visita”. Já “Renúncia”, conto escolhido para compor a antologia Off Flip
2019, narra, ao som da fadista Amália Rodrigues, a separação de um casal
durante uma viagem à terra de Cabral. “Malheureusement, mon cher” é como filme
da nouvelle vague: ruas, casais que se encontram e desencontram nos labirintos
e cruzamentos, que usam as palavras como facas ou papel picado jogado ao vento.
São pessoas que vão e vêm, passando à vista do narrador sentado na janela de um
café. É como se a garota de Ipanema passeasse em um doce balanço no Calçadão da
Rua XV.
CONFLITO - Os doze textos de “Era o Vento” são
uma anatomia do conflito e da inércia que, não por acaso, dá nome ao conto que
abre o livro. À medida em que as diferenças se assomam, os abismos se
aprofundam e se tornam intransponíveis. Para compor esse cenário, Carlos
Machado brinca com os idiomas. O português, o francês e o alemão se misturam
para (de)mo(n)strar as barreiras e rupturas possíveis. “As linguagens carregam
todas características culturais e sociais de um povo. Quando muda o idioma,
você não está alterando só as palavras, mas todo o conceito. Se um personagem
fala em alemão, ele rompe o que se esperava. E aí vem outra questão: o que
significa ser alemão?”
O conto “Criar Raízes” é, com inteligência, uma
antítese de seu próprio título. Novamente, um casal que procura na cidade as
razões para que as relações – entre si e com o mundo – continuem existindo tal
qual o dilema do alpinista, proposto por de Reinhold Messner: a ironia entre a
inutilidade e a necessidade de escalar uma montanha.
E a montanha pode ser a metáfora para tudo.
Elias, protagonista do conto que dá título ao volume, vive ensimesmado entre a
vida de solteiro, suas inúmeras possibilidades, e o fardo, cada diz mais
pesado, de precisar ter uma esposa e filhos. O mesmo mal acomete o personagem
de “Apenas uma Perspectiva”, um homem que almoça sozinho aos domingos, vítima
da pena de quem senta nas mesas próximas. Na contramão das expectativas, aquele
sujeito, à primeira vista solitário, é o único que pode, sem concessão alguma,
chegar, sentar onde bem entender e sair na hora que quiser.
Com “Era o Vento”, Carlos Machado se consolida
como um dos grandes narradores contemporâneos, capaz de examinar sem hipocrisia
a fragilidade das relações humanas e extrapolar os limites geográficos da sua literatura.
O lançamento tem entrada gratuita. O Café
Tiramisù fica anexo ao Museu Guido Viaro, na Rua XV de Novembro, 1330, Centro.
O AUTOR - Carlos Machado nasceu em Curitiba, em
1977. É escritor, músico e professor de literatura e línguas estrangeiras.
Publicou os livros “A Voz do outro” (contos 2004, 7Letras), “Nós da Província: Diálogo
com o Carbono” (contos 2005, 7Letras), “Balada de uma Retina Sul-Americana
(novela 2006, 7Letras), “Poeira Fria” (novela 2012, Arte & Letra), “Passeios’
(contos 2016, 7Letras) e “Esquina da Minha Rua” (novela 2018, 7Letras).
Tem contos e outros textos publicados em
diversas revistas e jornais literários (revista Oroboro, revista Ficções, revista
Ideias, revista Philos, revista Arte e Letra, jornal Rascunho, jornal Cândido, jornal
RevelO etc.), participação nas antologias “48 Contos Paranaenses” (2014),
organizada por Luiz Ruffato e “Curitiba Literária” (2019) com a curadoria de
Rogério Pereira. Foi finalista do prêmio Off Flip de literatura (contos) 2019.
Na música, lançou os CDs “Tendéu” (2008), “Samba
Portátil” (2010), “Longe” (2012), o DVD “Ao Vivo” (Teatro Guairinha), “Longe e
Outras Canções” (2012), o trabalho em espanhol “Los Amores de Paso” (2013), “Bárbara”
(2015) e “DESencontro” (2017), seu trabalho mais recente. Mais informações no
site www.carlosmachadooficial.com.
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