"Minha embaixada chegou/ Deixa meu povo
passar". Assim, tomando para si a canção de Assis Valente, Chico Buarque
anunciava em Belo Horizonte a estreia da turnê “Caravanas”. Agora, depois de
passar pela capital mineira, pelo Rio de Janeiro e São Paulo e ser vista por
mais de 90 mil pessoas, Chico se apresenta de 2 a 4 de agosto, às 21h, no
Guairão.
O sucesso da turnê se explica não só pela
expectativa naturalmente criada em torno dos shows de Chico, afastado dos
palcos desde 2012. O álbum “Caravanas” (lançado pela Biscoito Fino) foi
apontado por muitos como um dos melhores do ano, assim como a canção As
caravanas - tomada desde o nascimento como um dos grandes clássicos da obra do
compositor. Além disso, o show mostra um Chico dialogando com seu tempo de forma
aguda, como em alguns dos períodos mais marcantes de sua carreira. E aqui a
expressão "seu tempo" tem sentido duplo. Por um lado, trata do
momento de tensão política e social que o Brasil e o mundo atravessam. Por
outro, "seu tempo" diz respeito ao tempo que o artista procura
afirmar no palco, acima de qualquer cronologia. O "tempo da
delicadeza", como escreveu ele sobre a melodia de Cristóvão Bastos em Todo
o sentimento - não por acaso, presente no repertório.
Depois de pedir permissão para seu povo passar,
Chico deixa claro quem chama de seu povo. Ele está presente em Mambembe,
declaração de princípios e louvação à figura do artista - recentemente tratado
como vagabundo em debates acalorados neste presente que Chico transcende no
palco. Está também nos malandros de Partido alto e A volta do malandro assim
como na involuntária heroína, duplamente violentada, de Geni e o zepelin. E, em
definitivo, nos mestres e colegas listados em Paratodos.
Seu povo também são seus parceiros. Chico
presta especial deferência a eles, fazendo questão de citá-los. Além de Todo o
sentimento, Cristóvão Bastos é lembrado em Tua cantiga, outra do recém-lançado
álbum que nasceu com ares de clássico. Edu Lobo aparece três vezes. A primeira,
em A moça do sonho - uma das muitas canções do show que lidam com realidades
oníricas, tempos suspensos, como Outros sonhos, Massarandupió, Futuros amantes
ou mesmo Tua cantiga. Depois, Edu é lembrado de novo em A história de Lily
Braun e A bela e a fera, ambas de “O Grande Circo Místico”, aqui tocadas
juntas. Seu maestro soberano Tom Jobim é celebrado em Retrato em branco e preto
e Sabiá. Baixista da banda, Jorge Helder aparece como compositor em
Casualmente. Parceiro mais recente ("e mais amado", ressalta Chico no
palco), o neto Chico Brown entra com Massarandupió.
A representação maior do povo que Chico puxa em
sua embaixada talvez seja Wilson das Neves, a quem o show é dedicado. O cantor
lembra seu velho amigo e baterista de sua banda, morto em 2017, cantando a
primeira parceria da dupla, Grande hotel.
Cuba ganha um lugar especial no universo
desenhado por Chico no show, com Yolanda (versão em português do compositor
para canção do cubano Pablo Milanés) e Casualmente, construída sobre uma
memória de Havana.
Chico também afirma sua embaixada a partir do
que não quer. Como na tristemente atual Derradeira estação, crônica de um Rio
dominado pela violência, num Estado ausente que gera mil estados paralelos. Ou
na raiva, "filha do medo" e "mãe da covardia", que embala a
violência em As caravanas. Em registros mais leves e irônicos, ele pisca, em
Desaforos e Injuriado, para os que "proferem desaforos pro seu lado".
O "malandro candidato a malandro federal", o "malandro com
retrato na coluna social" e outros que nunca se dão mal também têm seu momento
de infâmia no show, em Homenagem ao malandro.
A grandeza do que se vê no palco, porém, não se
resume às canções. Chico é sustentado por uma banda primorosa, que, a partir
dos arranjos de Luiz Claudio Ramos, parece se multiplicar. Ela é formada por João
Rebouças (piano), Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera (percussão),
Jorge Helder (contrabaixo), Marcelo Bernardes (flauta e sopros) e Jurim Moreira
(bateria), além do próprio Luiz Claudio Ramos (violão). Também constroem o
espetáculo a luz de Maneco Quinderé, os figurinos de Marcelo Pies e o cenário
de Helio Eichbauer, formado por um jogo de oito cordas entrelaçadas - que
formam diferentes desenhos e movimentos e mudam de tom de acordo com a
iluminação - e “uma esfera armilar que flutua no espaço azul como algum sistema
planetário”, como ele mesmo descreve.
O show que o público curitibano poderá
presenciar traz um artista com plena consciência do tempo (dos tempos), como o
personagem de Jogo de bola - outra pérola da safra mais recente. Mas que sabe
ser, simultaneamente, aquele craque que tem a experiência do passado
("Outrora, quando em priscas eras/ Um Puskás eras") e o garoto que
ainda é capaz de inventar dribles ("O tique-taque, o pique, o
breque").
A turnê “Caravanas” tem produção geral de
Vinícius França, produção local de Verinha Walflor e direção técnica de Ricardo
Tenente Clementino. Os shows nestas primeiras capitais têm o patrocínio da
Icatu Seguros, que já havia patrocinado o último espetáculo do artista – visto
por mais de 150 mil espectadores.
Livre para todas as idades, as apresentações de
“Caravanas” têm ingressos que variam de R$ 156,00 (meia) a R$ 496,00 (inteira)
de acordo com o setor do teatro. A taxa administrativa de R$ 6,00 está incluída
no valor. Mais informações: 3315-0808 ou www.diskingressos.com.br.
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