O que nos define? O que nos classifica, de
fato? E, isto é realmente necessário? Quatro atrizes em cena, quatro mulheres
em busca de um corpo, de um lugar e de um sentido. Como explicar o não
pertencimento, o não estar presente, a não identificação com o lugar e a
realidade? “Estrangeiras - Sobre Lugares que Nem Sabemos que Existem” nasceu do
desejo comum de um coletivo de artistas de discutir o tema identidade. E por se
tratar de um assunto de natureza intangível, a peça obviamente não traz
respostas, mas reflexões. Tentativas de contextualizar as manifestações da existência.
A estreia será nesta quita-feira (25), às 20h, no Espaço Obragem. A temporada
segue até dia 26 de maio, de quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às
19h.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman que discute
as noções de identidade no “líquido mundo moderno” no livro/entrevista
Identidade de Benedetto Vecchi norteou o trabalho. Ele diz: “O pertencimento e
a identidade não possuem a solidez perpétua, mas sim a finitude de um mecanismo
que exerce um poder de transformação contínua. As identidades estão em constante
trânsito, provenientes de diversas fontes, quais sejam aquelas disponibilizadas
por terceiros ou acessíveis através de nossa própria escolha”.
“Daquilo de que os outros não sabem sobre mim,
disso eu vivo”, assim começa a outra obra que serviu de referência ao projeto,
o livro “A Sociedade da Transparência”, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.
A frase é de Paul Handke. De acordo com o escritor, a obsessão com a
transparência manifesta-se não quando se procura a confiança, mas quando esta
desapareceu e a sociedade aposta na vigilância e no controle. Outra fonte de
inspiração foi o filme “Uma Vida Iluminada” (2005), de Liev Schreiber, um road
movie que mostra a trajetória de Jonathan, um judeu norte-americano
colecionador de coisas que sai em busca da mulher que pode ter salvado seu avô
dos nazistas, na Ucrânia. O longa emociona pela delicadeza com que trata a
busca do passado para entender o presente, a procura das origens da família
para compreender a própria história, e a amizade possível entre pessoas de
culturas diferentes. Fala sobre o Holocausto e é marcado pela alternância entre
tensão e conciliação das diferenças, abertura e fechamento ao outro, exibindo
as nuances dos vínculos formados a partir deste encontro.
“O ponto de vista do nosso olhar é estrangeiro,
de estranhamento. Abordamos o sentimento de não pertencimento seja individual
ou coletivo. Falamos sobre situações simples da vida, em que nos sentimos
“estrangeiras”, em nosso próprio país, cidade, casa e até mesmo em nosso
corpo”, conta a atriz e produtora do projeto Marcilene Moraes, criadora da
Crisálida Companhia de Arte. “Acho que é muito pertinente falar sobre esse
assunto neste momento onde se vê o drama de milhares de imigrantes refugiados
no mundo e os conflitos recentes por conta de intolerância de raças, religião,
ideologias e gêneros em nosso país”, ressalta. A Companhia criada em 2012, tem
como foco a linguagem contemporânea e visa agregar artistas/parceiros que
contemplem o experimento e a pesquisa, pensando o hibridismo das artes.
Além de Marcilene, compõem o elenco Cléo
Cavalcantty, Edith de Camargo e Karla Fragoso. A direção e a dramaturgia são de
Rafael Camargo que propõe uma encenação contida, resultado da pesquisa que
desenvolve há mais de uma década sobre o teatro da inação. “As estrangeiras
curiosamente perguntam, poeticamente questionam, humanamente percebem a
dificuldade de ser e estar. De certa forma falamos sobre solidão”, adverte o
diretor. “São mulheres atemporais e seus não lugares em cena. As repetições de
diálogos, a circularidade dos pensamentos, a investigação das estruturas
corporais, desenham a forma e imprimem a consciência deste não lugar”,
complementa.
O Espaço Obragem tem capacidade máxima para 30
pessoas e está situado na Alameda Júlia da Costa, 204, São Francisco. O
espetáculo “Estrangeiras” é indicado para maiores de 16 anos e os ingressos
custam R$ 20,00 e R$ 10,00 meia). Mais informações: 3077-0293.
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