Há
15 anos, o diretor teatral e dramaturgo baiano Gil Vicente Tavares leu “Sargento
Getúlio”
de um só fôlego. No outro dia, estava decidido a verter o romance do
conterrâneo João Ubaldo Ribeiro para o teatro. “Sempre me interessaram os
personagens históricos e fictícios que travam a eterna luta do indivíduo contra
o sistema, das várias formas que o sistema pode operar na coerção, manipulação,
aprisionamento e alienação do indivíduo. No trânsito entre as linguagens,
trazer esse personagem para o teatro pareceu-me provocador e instigante”,
conta.
A versão de Gil Vicente ganharia os
palcos apenas em 2011, mesmo ano em que “Sargento Getúlio” completou quatro
décadas de publicação. O monólogo homônimo da companhia Teatro NU, de Salvador,
traz Carlos Betão na pele de Getúlio Santos Bezerra, homem que tem a missão de
transportar um prisioneiro e inimigo político de seu chefe pelo sertão
nordestino. Ganhadora do Prêmio Braskem de Teatro 2011 nas categorias de melhor
ator e melhor espetáculo, a montagem será apresentada, de sexta-feira (13) a
domingo (15), na Caixa Cultural Curitiba.
Palavra dada - O “Getúlio” de João
Ubaldo Ribeiro é um homem fiel, antes de tudo, a si mesmo e aos seus ideais. No
meio de sua jornada, em virtude de uma mudança no panorama político, recebe
ordem para soltar o prisioneiro, mas decide terminar a missão que lhe foi
confiada. “No mundo atual, onde as opiniões são emprestadas ou teleguiadas,
onde há fragilidade e inconsistência nos princípios, esse personagem que, por
um lado, pode representar a truculência e o atraso de civilidade, também
representa um resgate da honradez, do valor pela palavra dada, pelo destino a
ser cumprido, pela defesa dos princípios”, aponta Gil Vicente.
Para o diretor da peça, talvez o grande
valor de “Sargento Getúlio” seja justamente o que hoje parece desatualizado: a
figura o sertanejo brabo, lutador, cabra-macho. “Os tempos são outros quanto ao
coronelismo, ao cangaço, à seca, à fome. Para o bem e para o mal, o Brasil é
outro, e o comportamento das pessoas também. Vai se perdendo aquela ideia do
olho por olho, dente por dente, de resolver tudo na faca. Nalguns lugares bem
mais, noutros, bem menos, essa ideia de civilidade vai chegando”, conta o
diretor.
Transformar o romance em um monólogo
foi a forma que Gil Vicente encontrou de se aproximar da imagem do contador de
histórias, do homem que narra seu próprio destino, do prosador de beira de
estrada. “Queria ver esse homem sozinho, contra tudo e todos, acuado num espaço
mínimo de suas certezas e forças”, explica. Mesmo assim, procurou ser fiel ao
texto original, ao editar trechos da obra sem alterá-la, deslocando-os para
criar determinadas situações cênicas e narrar os momentos-chave de maneira mais
condensada.
Sertão sem clichês - Uma das
preocupações do diretor baiano foi afastar esteticamente o espetáculo daquilo
que ele chama de “sertão imaginário”, ou seja, aquele cenário folclórico, já
desgastado por ter sido explorado à exaustão na televisão e no cinema. “Aquele
sertão telúrico, fantasioso e cheio de sotaque e sonoridades clichês era algo
que eu não podia admitir, jamais, para minha montagem. Proibi o compositor de
usar rabeca, zabumba e sanfona, e, para o cenário e figurino, busquei elementos
simbólicos como o espelho, a água, o metal, o cinza, vários elementos
constantes na obra de João Ubaldo, e que me pareciam simbolizar melhor o
personagem”, conta.
Segundo o diretor, seria redundante
reafirmar parte da estética cansada que o Brasil conhece dessa região, mesmo
porque o romance de João Ubaldo já contém em si mesmo força regional,
nordestina, suficiente, apresentada no linguajar, nas ações, nos ambientes,
comportamentos e elementos da natureza. “Impossível fugir disso. Mas há
componentes universais na obra, como cabe sempre a um clássico. Não há como
dissociar Getúlio do homem nordestino, mas, ao mesmo tempo, há como
relacioná-lo com diversos outros homens e culturas. Tem sido assim nos lugares
fora do Nordeste onde apresentamos a peça. Sempre há uma identificação que não
é a folclórica ou cultural, mas simplesmente humana”, finaliza o diretor.
As apresentações de “Sargento Getúlio” acontecem
sexta-feira e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Os ingressos custam R$ 10,00 e
R$ 5,00 (meia-entrada). Mais informações: 2118-5111. O espetáculo é recomendado
para maiores de 14 anos.
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