quinta-feira, 12 de junho de 2014

A jornada de um sertanejo brabo na Caixa Cultural Curitiba

Há 15 anos, o diretor teatral e dramaturgo baiano Gil Vicente Tavares leu “Sargento Getúlio” de um só fôlego. No outro dia, estava decidido a verter o romance do conterrâneo João Ubaldo Ribeiro para o teatro. “Sempre me interessaram os personagens históricos e fictícios que travam a eterna luta do indivíduo contra o sistema, das várias formas que o sistema pode operar na coerção, manipulação, aprisionamento e alienação do indivíduo. No trânsito entre as linguagens, trazer esse personagem para o teatro pareceu-me provocador e instigante”, conta.
A versão de Gil Vicente ganharia os palcos apenas em 2011, mesmo ano em que “Sargento Getúlio” completou quatro décadas de publicação. O monólogo homônimo da companhia Teatro NU, de Salvador, traz Carlos Betão na pele de Getúlio Santos Bezerra, homem que tem a missão de transportar um prisioneiro e inimigo político de seu chefe pelo sertão nordestino. Ganhadora do Prêmio Braskem de Teatro 2011 nas categorias de melhor ator e melhor espetáculo, a montagem será apresentada, de sexta-feira (13) a domingo (15), na Caixa Cultural Curitiba.

Palavra dada - O “Getúlio” de João Ubaldo Ribeiro é um homem fiel, antes de tudo, a si mesmo e aos seus ideais. No meio de sua jornada, em virtude de uma mudança no panorama político, recebe ordem para soltar o prisioneiro, mas decide terminar a missão que lhe foi confiada. “No mundo atual, onde as opiniões são emprestadas ou teleguiadas, onde há fragilidade e inconsistência nos princípios, esse personagem que, por um lado, pode representar a truculência e o atraso de civilidade, também representa um resgate da honradez, do valor pela palavra dada, pelo destino a ser cumprido, pela defesa dos princípios”, aponta Gil Vicente.
Para o diretor da peça, talvez o grande valor de “Sargento Getúlio” seja justamente o que hoje parece desatualizado: a figura o sertanejo brabo, lutador, cabra-macho. “Os tempos são outros quanto ao coronelismo, ao cangaço, à seca, à fome. Para o bem e para o mal, o Brasil é outro, e o comportamento das pessoas também. Vai se perdendo aquela ideia do olho por olho, dente por dente, de resolver tudo na faca. Nalguns lugares bem mais, noutros, bem menos, essa ideia de civilidade vai chegando”, conta o diretor.
Transformar o romance em um monólogo foi a forma que Gil Vicente encontrou de se aproximar da imagem do contador de histórias, do homem que narra seu próprio destino, do prosador de beira de estrada. “Queria ver esse homem sozinho, contra tudo e todos, acuado num espaço mínimo de suas certezas e forças”, explica. Mesmo assim, procurou ser fiel ao texto original, ao editar trechos da obra sem alterá-la, deslocando-os para criar determinadas situações cênicas e narrar os momentos-chave de maneira mais condensada.

Sertão sem clichês - Uma das preocupações do diretor baiano foi afastar esteticamente o espetáculo daquilo que ele chama de “sertão imaginário”, ou seja, aquele cenário folclórico, já desgastado por ter sido explorado à exaustão na televisão e no cinema. “Aquele sertão telúrico, fantasioso e cheio de sotaque e sonoridades clichês era algo que eu não podia admitir, jamais, para minha montagem. Proibi o compositor de usar rabeca, zabumba e sanfona, e, para o cenário e figurino, busquei elementos simbólicos como o espelho, a água, o metal, o cinza, vários elementos constantes na obra de João Ubaldo, e que me pareciam simbolizar melhor o personagem”, conta.
Segundo o diretor, seria redundante reafirmar parte da estética cansada que o Brasil conhece dessa região, mesmo porque o romance de João Ubaldo já contém em si mesmo força regional, nordestina, suficiente, apresentada no linguajar, nas ações, nos ambientes, comportamentos e elementos da natureza. “Impossível fugir disso. Mas há componentes universais na obra, como cabe sempre a um clássico. Não há como dissociar Getúlio do homem nordestino, mas, ao mesmo tempo, há como relacioná-lo com diversos outros homens e culturas. Tem sido assim nos lugares fora do Nordeste onde apresentamos a peça. Sempre há uma identificação que não é a folclórica ou cultural, mas simplesmente humana”, finaliza o diretor.
As apresentações de “Sargento Getúlio” acontecem sexta-feira e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Os ingressos custam R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia-entrada). Mais informações: 2118-5111. O espetáculo é recomendado para maiores de 14 anos.


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