Finalmente
Curitiba irá receber a turnê da revolucionária obra do norte-americano John
Cage (1912–1992), “Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado”, das pianistas
Grace Torres e Lilian Nakahodo. O concerto, com duração de 70 minutos, será
apresentado dias 26 e 27 (quinta e sexta), às 20h, no Teatro Paiol. Serão as
últimas apresentações da turnê que já passou por cidades como: Rio de Janeiro
(RJ), Uberlândia (MG), Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). Os ingressos, com
preços populares (R$ 10,00 e R$ 5,00), podem ser adquiridos via Sympla.
Parafusos
(de diferentes tipos e tamanhos), porcas, pedaços de plástico e borracha
colocados milimetricamente entre as cordas de um piano de cauda fazem parte da
complexa preparação para esta execução. A direção musical é da pianista e
professora Vera Di Domênico.
Composta
entre 1946 e 1948 com 16 sonatas e 4 interlúdios, a obra raramente é executada
na íntegra em público. Grace e Lilian, integrantes do Coletivo Pianovero, foram
as primeiras e únicas pianistas da América do Sul a gravarem a composição por
inteiro, ao vivo. O feito inédito das brasileiras com o álbum ‘Preparado em
Curitiba – John Cage: Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado’ foi lançado
em janeiro de 2012, na 30ª Oficina de Música de Curitiba e no mês seguinte em
Darmstadt, na Alemanha, no evento ‘Tage für Neue Musik’. De lá para cá o duo
fez diversas apresentações no Brasil.
A
obra, uma das mais representativas do repertório erudito do século XX, revela a
identificação de Cage com o pensamento indiano e dialoga com sonoridades das
orquestras de gamelão da Indonésia.
A
preparação do piano, que demora de duas a três horas para ficar pronto conforme
as precisas indicações feitas por Cage, as quais chamou de ‘bula’, no caderno
das partituras impressas da obra, é o grande desafio do trabalho. O autor
especificou não só o material a ser utilizado, de acordo com a característica
de cada tecla, mas a localização e a distância entre elas e os objetos. “Pode
não parecer, mas tudo é feito com muita técnica. As partituras foram escritas
de forma tradicional. Não há nada de improviso, os fundamentos são muito
sólidos”, conta a diretora.
Ao
todo, 45 notas são preparadas para o ciclo de Sonatas e Interlúdios e
diferentes métodos são usados para modificar o som original do instrumento. A
inserção de diferentes objetos em suas cordas resulta em sonoridades
inimagináveis.
“Existe ainda muito preconceito com a obra,
pois muitos acham que a preparação agride o piano, pelo contrário, o acaricia.
O resultado são sons assimétricos, porém delicados e sensíveis que lembram uma
exótica orquestra de percussão”, explica Grace.
Parte
do estudo, realizado no período de um ano pelas pianistas, foi feito em um
piano convencional. Para poderem estudar em um piano de cauda preparado e criar
uma relação auditiva com a composição tal como ela é, elas contam que foi
preciso alugar um instrumento durante vários meses para que pudessem executar a
obra.
Considerada
como uma das melhores realizações de Cage, o objetivo da obra é expressar os
nove estados emocionais, experimentados por qualquer ser humano, de acordo com
a tradição hindu, conhecidos como rasa, são eles: o heróico, o erótico, o
maravilhoso, o cômico, o patético, o furioso, o terrível, o abominável e a
tranquilidade.
“Algumas notas soam como piano, outras não. A
composição se encaixa perfeitamente nesta sonoridade. Tem muito respiro, muito
silêncio. Os sentidos ficam aguçados, ouvimos o entorno, o tecido da nossa
roupa, os ruídos das cadeiras, da plateia, insetos, tosses, pigarros. O mesmo
acontece com o público. Alguns podem sentir até mesmo um desconforto porque não
estão acostumados ou não esperam por isso em um concerto de piano”, avisa
Lilian.
Além
dos concertos, o projeto também vai oferecer gratuitamente neste mesmo período
miniconcertos didáticos para alunos da rede pública de ensino, bate-papo online
interativo com a equipe técnica do projeto e oficina abordando a preparação de
piano e a obra de John Cage.
“Estamos de volta com este projeto porque
retomar o contato com esta obra visionária e tão relevante não só para a
música, mas para as artes em geral, é uma oportunidade de aprofundamento, hoje
podemos oferecer ainda mais ao projeto e ao público. É uma grande alegria poder
realizar no Brasil um projeto com esta qualidade”, conclui Vera.
SOBRE JOHN CAGE (1912-1992) - Compositor, teórico
musical experimentalista, escritor, multiartista. Investigador incansável, foi
pioneiro da música de acaso ou aleatória, da música eletrônica, do uso de
instrumentos não convencionais, bem como do uso não convencional de
instrumentos convencionais. Considerado uma das figuras chave nas vanguardas artísticas
do pós-guerra, contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento estético da
música no século XX abrindo caminhos para outros compositores eruditos
experimentarem sonoridades variadas. Sua obra mais conhecida é 4’33” (1952),
peça precursora da arte conceitual por não executar uma única nota musical, ao
apresentá-la os músicos não tocam nada, ficam quietos diante do instrumento
durante o tempo especificado no título.
Suas
maiores influências vêm da Ásia, estudou filosofia indiana e zen budismo nos
anos 40. O I Ching, texto clássico
chinês, foi uma importante ferramenta de composição para ele.
Influenciou
muitos artistas de todo o mundo e integrou o movimento Fluxus, que abrigava
artistas plásticos e músicos.
SOBRE AS PIANISTAS:
GRACE TORRES - Curitibana, compositora, produtora
e Mestre em Música (UFPR). Integra o Coletivo Pianovero e o Fato, grupo autoral
com 9 álbuns e shows pelo Brasil e exterior. Atuou como pianista em montagens
como a “Ópera dos Três Vinténs”; com Lilian Nakahodo gravou ao vivo e fez
concertos pelo Brasil com as “Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado”, de
John Cage (2012-2016). Como compositora, criou trilhas premiadas para dança,
teatro e audiovisual.
LILIAN NAKAO NAKAHODO - Piracicabana radicada em Curitiba,
graduada em Produção Sonora e Mestre em Música (UFPR). Pianista, compositora,
produtora e editora de áudio, integra o Coletivo Pianovero e o Sons Nikkei,
projeto de fusão musical Brasil-Japão. Ao lado de Grace Torres e Vera Di
Domênico, realizou a 1ª gravação integral na América Latina, ao vivo, das
"Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado", de John Cage, além de
concertos pelo Brasil (2012-2016). Em
2022 lançou um EP com composições próprias para piano preparado.
SOBRE A DIRETORA
MUSICAL:
VERA DI DOMÊNICO -
Pianista, professora e idealizadora de projetos pianísticos. Diretora e
curadora do Coletivo Pianovero. Graduada em Música e Piano na UFRJ, FAPARTE/SP,
Escola Superior de Música de Viena, e em Música Contemporânea para Piano
(Stuttgart). Foi diretora dos Auditórios do MASP e coordenadora de música da
FASM/SP. Criou e dirigiu dezenas de projetos pianísticos, como o
"Preparado em Curitiba: John Cage - Sonatas e Interlúdios para Piano
Preparado”, com gravação ao vivo, concertos e workshops (2012-2016).
SOBRE O COLETIVO
PIANOVERO - Desde
2018 cria projetos pianísticos a partir de Curitiba. São solistas, professores,
estudantes e amadores que, sob direção de Vera Di Domênico, realizaram:
VEXATIONS, de Eric Satie, performance com 24h de duração; “De Sons e Terras
Distantes: a música de Gurdjieff e De Hartmann para piano” na Capela Santa
Maria, na Oficina de Música de Curitiba e no Auditório do MASP. Na pandemia, 2
concertos online com 28 pianistas de 7 países, a “Gurdjieff Music Experience”: https://shre.ink/ajIn
Este projeto foi realizado
com recursos do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura – Fundação Cultural de
Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba. Incentivo: Colégio Positivo,
Fundação Cultural de Curitiba e Prefeitura Municipal de Curitiba.