O
estilo eclético da arquitetura do início do século XX do Palacete Leão Jr., que
alia elementos neoclássicos e influências barrocas, localizado no bairro Alto
da Glória, hoje sede do Espaço Cultural BRDE – Banco Regional de
Desenvolvimento do Extremo Sul no Paraná atraiu a pesquisadora Amélia Siegel
Corrêa, despertando nela o interesse em conhecer a história daquela icônica
casa e, por consequência, também a formação do bairro e das famílias que ali
viviam.
Desta
curiosidade nasceu o projeto “Alto da Glória: Fragmentos de uma História”,
desenvolvido em parceria com a historiadora Solange Rocha, que resultou na mais
recente edição do Boletim da Casa Romário Martins, publicado pela Fundação
Cultural de Curitiba, com prefácio do prefeito Rafael Greca de Macedo e, também
em um documentário homônimo.
O
lançamento será nesta quarta-feira, dia 19 de abril, às 18h30, justamente no
espaço que inspirou o projeto, o Palacete Leão Jr. A programação conta com a
exibição do documentário, um bate-papo da autora com o jornalista e professor
da UFPR, Zeca Fernandes e com o arquiteto Key Imaguire, seguida de uma sessão
de autógrafos. A entrada é gratuita, as reservas podem ser feitas pela
plataforma https://www.sympla.com.br/livro-alto-da-gloria---fragmentos-de-uma-historia-lancamento__1949603
“Fiquei maravilhada com a beleza e o requinte
da casa, o nível de detalhes das portas de madeira, os vitrais, o teto
ornamentado, o chão ladrilhado, a varanda! Quis saber mais sobre como era a
vida ali e sobre o contexto em que uma casa como aquela foi construída. Percebi
que existiam lacunas na história e uma boa oportunidade para uma pesquisa mais
aprofundada”, conta Amélia.
Fontes
documentais inéditas, arquivos históricos, jornais, documentos, mapas, livros,
imagens, fotografias e entrevistas com descendentes dos moradores e antigos
funcionários da casa foram materiais usados na reconstrução dessa memória que
conta também parte da história de Curitiba. Tanto o livro quanto o documentário
apresentam os principais fatos que envolvem a formação deste tradicional bairro
curitibano no qual famílias vinculadas à erva-mate se estabeleceram, e revelam
a importância da região como patrimônio histórico e cultural do estado. “A história do Alto da Glória se confunde com
a história da modernização de Curitiba, viabilizada em grande parte pela
expansão da produção e exportação de erva-mate, que, por sua vez, se configurou
a partir de algumas famílias tradicionais do Paraná, responsáveis por investir
na cultura e no desenvolvimento da cidade”, diz a pesquisadora.
Os
anos iniciais da formação do bairro são repletos de histórias fascinantes,
envolveram personagens importantes da cidade, muitos deles, inclusive, nomeiam
nossas ruas como o desembargador Agostinho Ermelino de Leão, o comendador
Fontana e o arquiteto Cândido de Abreu, que foi prefeito de Curitiba (nos anos
1892/1893 e de 1913 a 1916), entre outros. A pesquisa se preocupou em fazer
novas leituras da história propondo um olhar contemporâneo, crítico e
abrangente sobre a formação do bairro, incluindo e recuperando a participação
de mulheres relevantes como Maria Clara de Abreu Leão, Dolores Leão, Maria
Bárbara Correia Leão, bem como de imigrantes, como o italiano Antônio
Dallegrave, figura central na construção da Capela da Glória, que ficou pronta
em 1896.
O
livro e o documentário trazem registros de quando a área ainda era uma zona de
chácaras na qual estava sediada o Engenho Munhoz, que utilizava mãe de obra
escrava; passando pela construção do Passeio Público; a criação do Boulevard
Dois de Julho, que mais tarde passou a se chamar Avenida João Gualberto.
Levanta também a história do Teatro da Glória; da bela Capela de Nossa Senhora
da Glória; da Chácara da Nhá Laura, onde atualmente fica o Colégio Estadual do
Paraná; bem como da já demolida Mansão das Rosas; da Casa da Chácara, moradia
do casal desembargador Agostinho Ermelino de Leão e Maria Bárbara e, claro, do
Palacete dos Leões, que em 1903 virou cartão postal da cidade e, em 1906,
residência oficial do então presidente do Brasil, Afonso Pena, durante passagem
por Curitiba. Considerando que era a primeira vez que um presidente visitava a
capital paranaense, o fato foi um marco histórico.
“Este projeto além de contribuir para a
historiografia dos bairros de Curitiba, contribui para a ampliação e divulgação
de novas fontes e abordagens historiográficas. Nosso intuito é ampliar o
conhecimento sobre o patrimônio histórico de Curitiba, bem como valorizar e
fortalecer a identidade local”, ressalta Amélia.
A
pesquisa foi além da paisagem, revelou características e descobertas
peculiares, como, por exemplo, a centralidade da prática religiosa diária das
famílias da burguesia que ali viviam e que chegavam a dispor de oratórios
domésticos e capelas particulares em suas próprias casas, o que permitia a
realização de missas e até de casamentos. O conservadorismo e a endogamia como
forma de manter o poder entre as famílias também foram traços que apareceram,
assim como se evidencia que o protagonismo daquelas mulheres de elite se dava
principalmente no ambiente da igreja e nas atividades de filantropia.
Outro
apontamento que o livro de mais de 100 páginas traz é sobre a importância da
construção de um teatro particular, em meados da década de 1890, em uma das
residências do bairro. O Teatro da Glória durou poucos anos, mas contribui para
a modernização dos hábitos provincianos dos curitibanos e o avanço da cultura
local.
Foi
a partir do Boletim Casa Romário Martins que o roteiro do documentário, com
duração de 13 minutos, foi elaborado. Em setembro de 2022, o material foi
exibido aos alunos do Colégio Estadual do Paraná como contrapartida social do
projeto. A ideia foi despertar o interesse pela história local também nas
gerações que estão conectadas com a linguagem do audiovisual. O filme com
narrativa poética pode ser visto gratuitamente pelo Youtube, no Canal da
Fundação Cultural de Curitiba, ampliando assim as referências visuais dos
leitores do Boletim.
“Este documentário preencheu uma lacuna que
existia porque há muita informação e pesquisa sobre o Alto da Glória no final
do XIX e começo do XX, mas nenhum material audiovisual que as compactassem.
Ficamos muito orgulhosas com o resultado. E mais ainda de poder realizá-lo com
uma equipe majoritariamente feminina”, comemora a pesquisadora.
O
Boletim “Alto da Glória – Fragmentos de uma História” é um projeto realizado
com recursos do Fundo Municipal de Cultura da Fundação Cultural de Curitiba /
Prefeitura Municipal de Curitiba. A publicação impressa será distribuída
gratuitamente no lançamento. Em breve a versão online estará disponível para
download gratuito. O documentário pode ser visto no Canal Youtube da Fundação
Cultural de Curitiba: https://youtu.be/6SFHAaIyUoQ.
SOBRE A PESQUISADORA - Amélia Siegel Corrêa é doutora em
Sociologia pela Universidade de São Paulo. Autora de diversos artigos e
capítulos de livro, publicou “Alfredo Andersen: Retratos e Paisagens de um
Norueguês Caboclo” (Alameda Editorial, 2014). Atua como curadora e pesquisadora
nas áreas de patrimônio histórico, história das exposições, museus, mulheres
artistas e História do Paraná. Professora da Pós-Graduação em História da Arte
e Curadoria da PUC-PR, é diretora artística da Alhures Galeria.
O Palacete Leão Jr. está
situado na Av. João Gualberto, 530, Alto
da Glória.
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