“Uma arqueologia do avesso”. Assim a
artista, educadora e autora de livros Edith Derdyk define o processo de
realização de sua obra “Tábula”, uma sobreposição de imagens da primeira página
do livro do Gêneses extraídas de cerca de 200 bíblias nos mais diversos
formatos, edições e línguas. “O resultado é uma espécie de palimpsesto em que o
texto se torna ilegível”, conta a artista.
A obra integra a exposição individual “Doublet_Páginas
Móveis”, que reúne seis conjuntos de trabalhos, produzidos entre 1987 a 2014,
que se relacionam por terem, como núcleo poético comum, a relação entre a
palavra e a imagem. São obras realizadas em diferentes suportes, mídias e
linguagens - de prints, objetos e livros de artista a vídeos e uma pequena
instalação.
O efêmero e o permanente - Os livros de
artista são a espinha dorsal que une as obras em exposição. O desejo de Edith
de manipular estas publicações como objetos artísticos, e não só como meio de
documentação, surgiu justamente da necessidade de registrar, em 1997, a
realização de suas primeiras instalações – que são peças de natureza efêmera.
“Estas imagens revelaram uma potência poética que as faziam sair do âmbito do
mero documento. A partir desta constatação, comecei minha investigação e
pesquisa sobre este gênero ‘livro de artista’”, conta.
Com poucas informações disponíveis no
Brasil sobre este gênero artístico, Edith viajou para os Estados Unidos e
Canadá para fundamentar sua pesquisa: foi artista residente no The Banff
Centre, no Canadá, em 2007, e na The Rockefeller Foundation, nos Estados
Unidos, em 1999. “Pesquisas sobre os livros de artista só tomariam impulso real
e efetivo no Brasil a partir do livro Página Violada, de 2002, escrito por
Paulo Silveira e editado pela UFRGS”, conta.
Desenho - Edith explica que a mostra
Doublet_Páginas Móveis é mais um desdobramento de um processo de pesquisa e
criação artística em que o desenho, matriz de todo o seu percurso artístico, é
explorado em linhas e grafias sobrepostas. “Quando me dei conta de que o
desenho é uma linguagem tão antiga e tão permanente, é o esqueleto da linguagem
visual, bem como está presente em todas as áreas do conhecimento, comecei a
organizar as ideias, reunir experiências relativas à educação e informações
históricas”, conta.
Ela é autora de diversos livros de
referência sobre o desenho como Formas de Pensar, O desenho da figura humana,
Entre ser um e ser mil – o objeto livro e suas poéticas, Desenho Desenho.
Disegno. Desígnio, Linha de Costura, entre outros.
A mesa, os instrumentos, os materiais,
tudo o que faz parte do processo de produção das obras parecem interessar à
artista. “Não separo processo de resultado, nem significante de significado -
tudo se torna indissociável”, conta. Para ela, há na exposição um “acordo de
convivência” entre “tudo aquilo que é efêmero” e “tudo aquilo que consagra o
tempo”, simbolizados pelo objeto “livro” e sua gramática. Como em “Rasuras”,
por exemplo, obra realizada com apoio da Bolsa Vitae, que a artista recebeu em
2002, uma série com cerca de 30 livros de artista instalados em duas mesas com
fac-símiles. “O objeto livro reúne estes trânsitos, alia a memória e a
imaginação, o processo e o registro, aqui entendidos como a gênese do pensamento”,
explica.
Outra obra da artista, que recebeu o
título “Mesa”, foi produzida em ferro e acrílico com diversos materiais. “A
exposição foca o trânsito entre as palavras e as imagens e todos seus índices.
Em ‘Mesa’, estes índices estão evidenciados pela presença de papéis velhos e
novos, carvão, linhas, agulhas, materiais que se tornam fonemas ‘móveis’ para a
construção da linguagem, que é fluida e mutável”, diz.
Os curadores Bruno Mendonça e Rafaela
Jemene explicam que, para Edith, tudo começa neste espaço de trabalho: “Na
poesia do fazer, o trabalho artístico emerge, sai da mesa para o mundo e muitas
vezes, retorna para mesa; lugar onde é exposto; onde a materialização de um
pensamento aparece, onde a linguagem se entrecruza com o espaço”.
Obra inédita - A exposição traz ainda
as obras “Escaninho” e a inédita “Páginas Móveis”, formada por textos
sobrepostos impressos em serigrafia sobre placas de acrílico, colocados na
parede de maneira que as pessoas possam manipular e gerar relações
combinatórias, explicitando as diferentes modalidades de leitura. Já “Onda
Seca” e “Fôlego” são vídeos produzidos pela artista em parceria com o
videoartista Raimo Benedetti.
“Tábula”,
que tem como temática o livro do Gêneses, é fruto de um tempo de pesquisa que
nasceu da leitura do livro Cena de Origem, de Haroldo de Campos. “Ele traduziu
o livro do Gêneses magistralmente, direto do aramaico, demonstrando que a
palavra em ‘estado poético’ nasceu destes primeiros relatos míticos da origem
do mundo”, explica Edith. A pesquisa lhe rendeu uma viagem de estudos à
Jerusalém, em 2011, onde a teve acesso a manuscritos em museus e bibliotecas e
conversou com linguistas e outros estudiosos.
Trajetória - Desde 1981, Edith Derdyk
realiza exposições coletivas e individuais em espaços como o MAM-SP, o MAM-RJ,
a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Centro
Cultural São Paulo, o Instituto Tomie Ohtake, entre outras. No exterior, já
esteve em países como México, EUA, Alemanha, Dinamarca, Colômbia, Espanha e França.
Dentre outros prêmios, a artista
recebeu o Prêmio Revelação Fotografia Porto Seguro (2004), o Prêmio Bolsa Vitae
e o Prêmio APCA (ambos em 2002), e o Prêmio Funarte Artes Visuais (2012). Sua
obra faz parte de importantes coleções públicas como a da Pinacoteca do Estado
de São Paulo e da Prefeitura de Nurnberg, na Alemanha.
A exposição de Edith Derdyk, pode ser
visitada até dia 22 de fevereiro de 2015, de terça-feira a sábado, das 10h às
20h; domingo, das 10h às 19h, com entrada franca.
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