quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Artista paulistana abre exposição individual na Caixa Cultural Curitiba

“Uma arqueologia do avesso”. Assim a artista, educadora e autora de livros Edith Derdyk define o processo de realização de sua obra “Tábula”, uma sobreposição de imagens da primeira página do livro do Gêneses extraídas de cerca de 200 bíblias nos mais diversos formatos, edições e línguas. “O resultado é uma espécie de palimpsesto em que o texto se torna ilegível”, conta a artista.
A obra integra a exposição individual “Doublet_Páginas Móveis”, que reúne seis conjuntos de trabalhos, produzidos entre 1987 a 2014, que se relacionam por terem, como núcleo poético comum, a relação entre a palavra e a imagem. São obras realizadas em diferentes suportes, mídias e linguagens - de prints, objetos e livros de artista a vídeos e uma pequena instalação.

O efêmero e o permanente - Os livros de artista são a espinha dorsal que une as obras em exposição. O desejo de Edith de manipular estas publicações como objetos artísticos, e não só como meio de documentação, surgiu justamente da necessidade de registrar, em 1997, a realização de suas primeiras instalações – que são peças de natureza efêmera. “Estas imagens revelaram uma potência poética que as faziam sair do âmbito do mero documento. A partir desta constatação, comecei minha investigação e pesquisa sobre este gênero ‘livro de artista’”, conta.
Com poucas informações disponíveis no Brasil sobre este gênero artístico, Edith viajou para os Estados Unidos e Canadá para fundamentar sua pesquisa: foi artista residente no The Banff Centre, no Canadá, em 2007, e na The Rockefeller Foundation, nos Estados Unidos, em 1999. “Pesquisas sobre os livros de artista só tomariam impulso real e efetivo no Brasil a partir do livro Página Violada, de 2002, escrito por Paulo Silveira e editado pela UFRGS”, conta.

Desenho - Edith explica que a mostra Doublet_Páginas Móveis é mais um desdobramento de um processo de pesquisa e criação artística em que o desenho, matriz de todo o seu percurso artístico, é explorado em linhas e grafias sobrepostas. “Quando me dei conta de que o desenho é uma linguagem tão antiga e tão permanente, é o esqueleto da linguagem visual, bem como está presente em todas as áreas do conhecimento, comecei a organizar as ideias, reunir experiências relativas à educação e informações históricas”, conta.
Ela é autora de diversos livros de referência sobre o desenho como Formas de Pensar, O desenho da figura humana, Entre ser um e ser mil – o objeto livro e suas poéticas, Desenho Desenho. Disegno. Desígnio, Linha de Costura, entre outros.
A mesa, os instrumentos, os materiais, tudo o que faz parte do processo de produção das obras parecem interessar à artista. “Não separo processo de resultado, nem significante de significado - tudo se torna indissociável”, conta. Para ela, há na exposição um “acordo de convivência” entre “tudo aquilo que é efêmero” e “tudo aquilo que consagra o tempo”, simbolizados pelo objeto “livro” e sua gramática. Como em “Rasuras”, por exemplo, obra realizada com apoio da Bolsa Vitae, que a artista recebeu em 2002, uma série com cerca de 30 livros de artista instalados em duas mesas com fac-símiles. “O objeto livro reúne estes trânsitos, alia a memória e a imaginação, o processo e o registro, aqui entendidos como a gênese do pensamento”, explica.
Outra obra da artista, que recebeu o título “Mesa”, foi produzida em ferro e acrílico com diversos materiais. “A exposição foca o trânsito entre as palavras e as imagens e todos seus índices. Em ‘Mesa’, estes índices estão evidenciados pela presença de papéis velhos e novos, carvão, linhas, agulhas, materiais que se tornam fonemas ‘móveis’ para a construção da linguagem, que é fluida e mutável”, diz.
Os curadores Bruno Mendonça e Rafaela Jemene explicam que, para Edith, tudo começa neste espaço de trabalho: “Na poesia do fazer, o trabalho artístico emerge, sai da mesa para o mundo e muitas vezes, retorna para mesa; lugar onde é exposto; onde a materialização de um pensamento aparece, onde a linguagem se entrecruza com o espaço”.

Obra inédita - A exposição traz ainda as obras “Escaninho” e a inédita “Páginas Móveis”, formada por textos sobrepostos impressos em serigrafia sobre placas de acrílico, colocados na parede de maneira que as pessoas possam manipular e gerar relações combinatórias, explicitando as diferentes modalidades de leitura. Já “Onda Seca” e “Fôlego” são vídeos produzidos pela artista em parceria com o videoartista Raimo Benedetti.
 “Tábula”, que tem como temática o livro do Gêneses, é fruto de um tempo de pesquisa que nasceu da leitura do livro Cena de Origem, de Haroldo de Campos. “Ele traduziu o livro do Gêneses magistralmente, direto do aramaico, demonstrando que a palavra em ‘estado poético’ nasceu destes primeiros relatos míticos da origem do mundo”, explica Edith. A pesquisa lhe rendeu uma viagem de estudos à Jerusalém, em 2011, onde a teve acesso a manuscritos em museus e bibliotecas e conversou com linguistas e outros estudiosos.

Trajetória - Desde 1981, Edith Derdyk realiza exposições coletivas e individuais em espaços como o MAM-SP, o MAM-RJ, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Centro Cultural São Paulo, o Instituto Tomie Ohtake, entre outras. No exterior, já esteve em países como México, EUA, Alemanha, Dinamarca, Colômbia, Espanha e França.
Dentre outros prêmios, a artista recebeu o Prêmio Revelação Fotografia Porto Seguro (2004), o Prêmio Bolsa Vitae e o Prêmio APCA (ambos em 2002), e o Prêmio Funarte Artes Visuais (2012). Sua obra faz parte de importantes coleções públicas como a da Pinacoteca do Estado de São Paulo e da Prefeitura de Nurnberg, na Alemanha.

A exposição de Edith Derdyk, pode ser visitada até dia 22 de fevereiro de 2015, de terça-feira a sábado, das 10h às 20h; domingo, das 10h às 19h, com entrada franca.

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