Quem gosta da atmosfera erudita da
Capela Santa Maria vai se surpreender com “Todas as Manhãs do Mundo”, um
espetáculo multimídia integrante do projeto Música de Câmara, que será apresentado
no dia 30 de abril, às 20h. Isso porque a apresentação, ainda que possa ser
catalogada como concerto, coloca em cena, no mesmo palco, música barroca,
literatura e mídias digitais, criando uma nova e irresistível interpretação à
obra do escritor contemporâneo francês Pascal Quignard, autor do livro
homônimo.
Concebido e dirigido por um grupo de
músicos e pesquisadores em Literatura, “Todas as Manhãs do Mundo” traz a
ausência como articulador entre as três linguagens artísticas. Para a música,
por meio da distância temporal do gênero barroco em relação aos dias de hoje,
que por isso evoca um passado perdido; no texto, que tem o esquecimento como
tema principal, é um nome que se faz ausente; já na luz, a presença é sempre
sem corpo, e percebida como a chegada de algo que já não está mais aqui. “A
música que fazemos foi esquecida e tem de ser relembrada e atualizada. Nesse
jogo, trazemos outras linguagens que dão um tom contemporâneo a esse
espetáculo. Música e luzes colocam o espectador num estado emocional para
sentir a história”, explica a professora Silvana Scarinci que é pesquisadora de
música antiga e toca teorba no espetáculo.
No concerto, interpretações dialogadas
se unem à música antiga, que ainda recebem interferência digital por meio de um
software de controle de luz. A teorba junta-se à viola da gamba, interpretada
pelo músico americano, radicado em Florianópolis, Hans Twitchell, e do violino
barroco de Luiz Henrique Fiaminghi, diretor do grupo Anima.
O ponto de partida é uma homenagem a Pascal
Quignard, que, além de ser um dos autores de mais destaque na França
atualmente, cumpre um papel importante para a música antiga, sendo o criador do
Festival de Ópera e Teatro Barroco de Versalhes, e um dos fundadores do Concert
des Nations. É de Quignard a autoria do
livro “Todas as Manhãs do Mundo”, transformado em filme por Alain Corneau, em
1991. Com Gerard Depardieu no papel do protagonista, o longa é considerado a
obra que impulsionou uma retomada do movimento da música antiga. Marin Marais é
um dos compositores barrocos que foi redescoberto na cena musical a partir do
texto de Quignard. É com base nessas composições barrocas e em diálogo com
outros textos do autor que o espetáculo é concebido.
Na história de Quignard, a efemeridade
do tempo é colocada em foco. O esquecimento da música, que não pode ser
reproduzida exatamente como foi por seus precursores, se mistura com a reflexão
sobre a eternidade. O repertório musical é constituído por peças de Marin
Marais e de seu mestre Sainte Colombe, que viveram e se apresentaram na corte
de Luis XIV.
Para levar ao público a experiência do
esquecimento, o espetáculo trabalha com a declamação em off de textos de
Quignard pontuado por peças barrocas. A interpretação fica por conta de Leda
Cartum e Mario Sagayama, pesquisadores de Literatura. O roteiro, elaborado por
eles e por Verónica Galíndez, inicia com a declamação do conto que integra o
livro Le nom sur le bout de la langue [O nome na ponta da língua].
Nesse conto, para conseguir casar-se
com o homem que ama, uma jovem bordadeira precisa fazer um pacto com o diabo.
Para firmar o pacto, se compromete a memorizar o nome do diabo, Heidebic de
Hel, pois este virá encontrá-la após um ano e, se ela tiver esquecido o nome,
terá de abandonar seu marido e se casar com Heidebic de Hel.
No espetáculo, a história é acompanhada
pela programação visual criada por Matheus Leston. O sistema de iluminação,
controlado por computador, é formado por oito barras de led, posicionadas no
fundo do palco. Em sincronia com o texto e a música, as barras geram imagens
luminosas que, embora abstratas, criam uma narrativa visual no diálogo entre a
palavra e o som. “As luzes criam a densidade teatral que teríamos em um
cenário”, pontua Silvana.
Como idealizadora do projeto, Silvana
promoveu com a equipe um intenso processo de resgate das obras que compõem o
concerto. A tradução do trecho de "Le nom sur le bout de la langue" é inédita no
Brasil e uma das partituras é uma homenagem fúnebre ao professor de Marin
Marais, o mestre Sainte Colombe, que estava esquecida em uma biblioteca no
interior dos EUA.
Os ingressos para “Todas as Manhãs do
Mundo” custam R$ 20,00 e R$ 10,00 (meia).
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